Obesidade mental: "
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Publicado em 2004 em um país Europeu em um período de avaliação da adesão daquelas sociedades à União Européia.
São elementos no cenário circundante que influenciaram, também, a visão do autor deste ótimo texto.
Obesidade mental
João César das Neves
Fonte: Diário de Noticias em 22/03/2004 (Portugal)
O prof. Andrew Oitke, catedrático de Antropologia em Harvard, publicou em 2001 o seu polêmico livro 'Mental Obesity', que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral.
Nessa obra introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.
Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física decorrente de uma alimentação desregrada. É hora de refletir sobre os nossos abusos no campo da informação e do conhecimento, que parecem estar dando origem a problemas tão ou mais sérios do que a barriga proeminente. '
Segundo o autor, 'a nossa sociedade está mais sobrecarregada de preconceitos do que de proteínas; e mais intoxicada de lugares-comuns do que de hidratos de carbono.
As pessoas se viciaram em estereótipos, em juízos apressados, em ensinamentos tacanhos e em condenações precipitadas.
Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. '
'Os 'cozinheiros' desta magna 'fast food' intelectual são os jornalistas, os articulistas, os editorialistas, os romancistas, os falsos filósofos, os autores de telenovelas e mais uma infinidade de outros chamados 'profissionais da informação''.
'Os telejornais e telenovelas estão se transformando nos hamburgers do espírito. As revistas de variedades e os livros de venda fácil são os 'donuts' da imaginação. Os filmes se transformaram na pizza da sensatez.'
'O problema central está na família e na escola. '
'Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se abusarem dos doces e chocolates. Não se entende, então, como aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, por videojogos que se aperfeiçoam em estimular a violência e por telenovelas que exploram, desmesuradamente, a sexualidade, estimulando, cada vez com maior ênfase, a desagregação familiar, o homossexualismo, a permissividade e, não raro, a promiscuidade.
Com uma 'alimentação intelectual' tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é possível supor que esses jovens jamais conseguirão viver uma vida saudável e regular'.
Um dos capítulos mais polêmicos e contundentes da obra, intitulado 'Os abutres', afirma:
'O jornalista alimenta-se, hoje, quase que exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, e de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.'
O texto descreve como os 'jornalistas e comunicadores em geral se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polêmico e chocante'.
'Só a parte morta e apodrecida ou distorcida da realidade é que chega aos jornais.'
'O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades.
Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy.
Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para quê ela serve.
Todos acham mais cômodo acreditar que Saddam é o mau e Mandella é o bom, mas ninguém se preocupa em questionar o que lhes é empurrado goela abaixo como 'informação'.
Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um 'cateto.'
Prossegue o autor:
'Não admira que, no meio da prosperidade e da abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência.
A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se e o folclore virou 'mico'. A arte é fútil, paradoxal ou doentia.
Floresce, entretanto, a pornografia, o cabotinismo (aquele que se elogia), a imitação, a sensaboria (sem sabor) e o egoísmo.
Não se trata nem de uma era em decadência, nem de uma 'idade das trevas' e nem do fim da civilização, como tantos apregoam. '
'Trata- se, na realidade, de uma questão de obesidade que vem sendo induzida, sutilmente, no espírito e na mente humana. O homem moderno está adiposo no raciocínio, nos gostos e nos sentimentos.
O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa sobretudo de dieta mental.'
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