O VOTO TIRIRICA:
do Blog do Ericeira
"João Batista Ericeira é advogado, professor universitário, diretor da EFG-MA
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"João Batista Ericeira é advogado, professor universitário, diretor da EFG-MA
O palhaço Tiririca é candidato a deputado federal em São Paulo, adota o slogan “Pior do que está não pode ficar”, de pronto contestado pelos opositores que lhe indagam: será? A candidatura do artista aposta na sua popularidade, e integra a estratégia dos partidos de se utilizarem de celebridades com vistas à conquista pura e simples do voto. Guardando as proporções devidas, na eleição de 1958, indignado com excessos cometidos por políticos profissionais, ávidos na defesa de interesses pessoais, e o baixo nível dos candidatos, o eleitorado paulistano, havido como de razoável politização, em sinal de protesto, votou esmagadoramente no rinoceronte do Jardim Zoológico, de nome Cacareco, sufragando-lhe com cem mil votos para a Câmara de Vereadores. Obviamente os votos foram nulos, mas o acontecimento criou o neologismo na história das eleições brasileiras, conhecido como “voto Cacareco”, dado em sinal de protesto a figuras e pessoas bizarras, para lavrar o protesto e a revolta da população com os descaminhos da política, tal como praticada pelos seus profissionais.
Ainda no horário da propaganda, Tiririca se dirige aos eleitores perguntando se eles sabem o que faz um deputado federal, em seguida, ele mesmo responde: “na verdade eu não sei, mas vote em mim que eu te conto”. A pergunta e a resposta são oportunas, traduzem a realidade. Boa parte do eleitorado ignora as atribuições do legislador, bem como os candidatos, que de igual modo, desconhecem as suas funções. Platão, na velha Atenas, preconizava a expulsão dos poetas e artistas da vida pública, sob o argumento da pouca racionalidade destes últimos, pressuposto considerado indispensável ao seu exercício. De lá para cá, o conceito de racionalidade evoluiu, incluiu as emoções, os sentimentos, e a as contribuições de artistas e poetas para a política são incalculáveis.
Nas eleições de 2010, o desempenho de Tiririca no horário da propaganda eleitoral gratuita é a novidade, desperta a atenção dos desestimulados telespectadores e ouvintes paulistas, cansados dos risíveis bordões repetidos pelos candidatos, sem qualquer proposta concreta que respeite ao seu cotidiano. O quadro se repete em todo o Brasil, e a maioria dos estados não dispõe de artistas capazes de diverti-los e fazê-los rir como o candidato por São Paulo, interpretando um tipo ingênuo e abobalhado, mas é fato, caiu no gosto popular. Os votos a ele conferidos nas próximas eleições não serão anulados. Não conheço as suas efetivas possibilidades, mas imagino que possa eleger-se, quem sabe, com votação consagradora, tal como o Enéas. Este aos gritos repetia o seu nome. Criou um tipo, fundou um partido, recebia milhares de votos, com as sobras elegia os outros companheiros da chapa.
Não sei se Tiririca tem a pretensão de fundar um partido, e firmar liderança semelhante a do Enéas. Naturalmente como todo candidato deseja eleger-se, mas se obtiver votação apoteótica, logo aparecerão seguidores interessados em futuras eleições, buscando o abrigo da sua liderança e das sobras que possa oferecer.
O chamado voto Cacareco na história recente das eleições brasileiras data de outubro de 1958, iniciou com pleito para a Câmara Municipal de São Paulo, propagando-se em vários estados onde ocorreram fenômenos parecidos, de irresignação com o processo e de anulação dos votos Há, portanto mais de cinqüenta anos que o eleitor brasileiro sinaliza a insatisfação com a conquista de mandatos e a forma de exercê-los. Ouvido pela imprensa, o então presidente Juscelino Kubitschek-JK, negou-se a dar sentido ao fato de um animal do Jardim Zoológico ter obtido votação superior aos 450 concorrentes do pleito paulistano e a todos os partidos em disputa. Saiu-se à moda mineira: “Não sou intérprete de acontecimentos sociais e políticos. Aguardo as interpretações do próprio povo”. Pobre JK. Não era na verdade cientista social, mas seis anos depois ocorreria o golpe de Estado de 1964, que o baniria definitivamente da vida pública. Os golpes contra a democracia só podem vingar se o processo político-eleitoral estiver desmoralizado e as instituições combalidas. Os mais otimistas repetirão o velho brocardo de Marx, “a história não se repete, a não ser como farsa”.
Difícil mesmo é extrair e codificar as leis da História. É mais fácil aprender com as suas lições. Estão aí o voto Cacareco, depois o Enéas, agora o Tiririca, a evidenciar que as reformas política e partidária não podem tardar.
jbericeira@veloxmail.com.br
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