DAS AGRURAS DO ELEITOR
Por: Chico Viana
De vez em quando escuto um surrado bordão que nunca teve nenhum sentido prático no Brasil: 'Cada povo tem o governo que merece'.
É uma afirmação capciosa e elitista, que tenta responsabilizar o eleitor por tudo de ruim que acontece nos diversos escalões de todos os poderes da República.
Comparando a grosso modo, só para exemplificar, com campanha do Ministério da Saúde explicando o autoexame de mama para 'prevenir 'o câncer, quando se sabe que um tumor que se detecta pela palpação já se encontra em uma fase moderadamente adiantada. Mas, como o Governo não se dispõe a disponibilizar exames que realmente previnam a doença, põe a responsabilidade no cidadão, e haja campanha para que todos se diagnostiquem exibindo a carência do Estado.
Assim é com o voto.
Fala-se que o eleitor não sabe votar (Pelé que o diga), que não escolhe conscientemente, que vende o voto, enfim, mil e uma desculpas para jogar nas costas de quem 'escolhe', o ônus dos maus governantes, desde a incompetência, até a omissão, passando pela corrupção, é claro. A coisa, porém não é bem assim.
Em primeiro lugar, é muita má fé, exigir-se que uma população, como a do Maranhão, 600 mil analfabetos com direito de voto, com 1,6 milhões abaixo da linha da pobreza, possa se eximir da influência do poder econômico na sua vontade.
É só ir às Prefeituras mais pobres do interior e verificar que dia após dia, ainda ao raiar do sol, se chegam à porta da instituição os necessitados, em busca de um arreglo. Uma receita, conta de luz, um funeral, uma internação, uma viagem, enfim, mil e um pedidos, nos quais o campeão é mesmo o dinheiro para comida.
Às vezes o prefeito dá, às vezes não, mas sempre alimenta o vínculo de dependência que, com certeza, irá cobrar nas próximas eleições. Em nível nacional, a prática foi assimilada no atacado, e esta dependência foi solidificada pela bolsa família que mantém submissa e temerosa cerca de 13 milhões de brasileiros. Se o boato é que o candidato vai acabar com a ajuda, perde o voto.
Falamos do eleitor menos esclarecido, nos grotões de municípios paupérrimos, amontoados em favelas, ou nas periferias das grandes cidades, onde a miséria e a dependência é a mesma. Coloque-se em seu lugar, e pense como eles, claro há exceções:
- 'Este candidato sempre me enganou, já conheço, ou vai me enganar, se é cara nova, todos são iguais. Vem de quatro em quatro anos, depois se escafede, esta é a única oportunidade de tirar algum proveito dele, é quando meu voto vale alguma coisa, pois fora disso, e fora dele, não tem o menor valor. Vou jogar o anzol e quanto mais peixe pescar, melhor, afinal serão mais quatro anos de jejum'.
Há o cidadão com algum esclarecimento, antenado, observador e, principalmente, ávido de informações que se lhe possibilite um voto correto, mas aí o sistema trabalha contra ele. Se o candidato já exerceu um cargo, e se houve bem, fica mais fácil.
Também se não prestou, ajuda na triagem. O dilema é com os novos postulantes, como quase todos decepcionam, a opção fica difícil.
Minha mãe diz que ninguém traz letreiro na testa, uma marca que lhe garanta o caráter, a hombridade e a proficiência. Todos se apresentam como salvadores da Pátria.
A campanha eleitoral seria a oportunidade de se avaliar o pretendente que teria o nome colocado na ribalta, onde as informações brotariam de todos os cantos, e daí sairia um perfil que orientaria o eleitor. Mas assim não é.
Quando mais se precisa de dados para fundamentar-se uma escolha crucial para a vida de todos, o Estado interfere contra e pune exemplarmente o 'infrator'.
É justamente neste período que nenhum órgão de imprensa, ou da mídia eletrônica pode falar sequer o nome do candidato, quando deveria ser o contrário. É nessa época que a vida do cidadão deveria ser posta a limpo.
Rádios, jornais, televisões seriam livres para opinar, debater, expor, resolver, tudo. Se excessos houvessem, o prejudicado buscaria reparo legal, simples. Mas assim não é, e o cidadão vai ter que julgar o pretendente pelo o que ele diz que é, e claro sempre se diz o melhor.
Dessa desilusão, surgem os votos de amizade, de favores retribuídos, de compadrio, do que pediu primeiro, do mais bonito, enfim, votos sem qualquer preocupação com a qualidade. Por isso, com raras exceções, o resultado final é sempre lastimável.
Assim foi, e assim sempre será, enquanto o sistema eleitoral persistir com estas distorções.
No frigir dos ovos, quem elege mesmo direta, ou indiretamente são as elites, econômicas, detentoras de poder, da mídia, enfim os donos do gado, o que 'mutatis mutandis' não se diferencia muito de quando tudo começou no Brasil, em 1824, na Constituição outorgada por D. Pedro I.
Para votar, o cidadão deveria ser do sexo masculino e ter no mínimo 25 anos de idade, salvo se fossem homens casados, clérigos, militares e bacharéis formados. Ainda como exigência, teria que comprovar uma determinada renda mínima anual proveniente de empregos, comércio, indústria e propriedades de terra.
Mesmo assim, as poucas pessoas consideradas aptas a exercer o voto, não escolhiam diretamente os seus representantes. Os chamados cidadãos votantes eram divididos entre eleitores de paróquia e eleitores de província.
Os primeiros eram todos aqueles que comprovavam uma renda mínima anual de 100 mil réis, para votar nos eleitores de província, que, por sua vez, deveriam comprovar uma renda mínima anual de 200 mil réis. Eram estes que elegiam os deputados e senadores que para serem candidatos deveriam comprovar uma renda mínima mais elevada que seus eleitores, 400 mil réis para deputado e 800 mil réis para senador.
Em outras palavras, era uma eleição exemplarmente criada para que só a elite pudesse chegar ao poder, marginalizando aspirações de quem não fosse burguês e rico.
Quando se observa e compara o Congresso Nacional e os Governos Estaduais, Municipais de hoje, com dantanho, mudou alguma coisa?
As poucas exceções, logo serão regras.
CHICO VIANA É MÉDICO, JORNALISTA E VEREADOR PELO PSDB. E-MAIL: FFVIANA@ELO.COM.BR
Data de Publicação: 3 de fevereiro de 2012 às 09:54
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