O programa Fantástico da TV Globo mandou uma equipe liderada pelo jornalista Marcelo Canellas para maceió para fazer uma matéria especial sobre as 31 mortes de moradores de rua que conteceram no Estado só este ano.
Um massacre nas ruas de Maceió. Desde o começo do ano, 31 moradores de rua foram brutalmente assassinados. O repórter Marcelo Canellas foi até a capital alagoana entender o que está acontecendo por lá.
Quando cai a noite em Maceió, o pânico mantém vigília sob as marquises.
“Eu posso ser o próximo. Eu posso ser vítima”, diz um morador de rua.
O último levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social cadastrou 312 moradores de rua na capital alagoana. De janeiro para cá, 10% deles foram assassinados.
“Já são 31 moradores de rua assassinados. Agora, quem é e quem não é? Ninguém sabe. E quem sabe não vai falar”, completa o morador de rua.
O que explicaria esse extermínio?
“O boato que rola aí é que é para acabar com os moradores de rua”, diz outro morador de rua.
A lista dos 31 mortos foi divulgada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Arquidiocese de Maceió para pressionar as investigações. As entidades temem que vítimas sem nome e sem sobrenome não mereçam a mesma atenção do estado.
“A polícia daqui é competente, as pessoas são conscienciosas e competentes. Então, é dentro dessa perspectiva que eu exijo uma posição mais coerente e mais firme da polícia”, diz o arcebispo metropolitano de Maceió, dom Antônio Muniz.
Uma das vítimas foi assassinada em frente ao prédio do Ministério Público, de onde o promotor Alfredo Mendonça investiga os casos que podem envolver policiais.
“Dos 31 e um homicídios, oito têm característica de grupos de extermínio”, revela Alfredo Mendonça, coordenador do Grupo de Combate a Organizações Criminosas (GCOC).
O promotor denunciou quatro pessoas; três policiais. Mas apenas um ex-policial está preso. É Miguel Rocha Neto, o mesmo que matou outra pessoa em 2007 dentro de uma lan house.
“Praticamente metade desses ilícitos foi praticada através de armas de fogo, com projétil de arma de fogo, o que pode caracterizar a atividade de policiais civis especificamente”, avalia o delegado geral da Polícia Civil de Alagoas, Marcílio Barenco.
Para a polícia, os outros assassinatos foram causados por rixas ou dívidas dos moradores com traficantes e inclusive mantém quatro acusados na prisão.
Não é difícil ver o efeito devastador do crack nas ruas de Maceió. Enquanto a equipe de reportagem do Fantástico conversava com as irmãs franciscanas que distribuem lanches no centro da cidade, dois homens se engalfinharam sem se preocupar com a câmera. Ao fundo, era possível ver o prédio do comando da Polícia Militar da capital.
“A própria sociedade joga esse pessoal na lata do lixo, o poder público não os recolhe e aí fica uma porta aberta para que, na última cena trágica desse filme, aconteçam essas mortes”, comenta o promotor Alfredo Mendonça.
Na quinta-feira passada (4), enquanto um morador dormia na calçada da Câmara Municipal, do lado de dentro, uma audiência pública convocava a população. Mas só ativistas e políticos apareceram. A morte do índio Galdino, queimado vivo em Brasília há 13 anos, foi lembrada para mostrar a diferença de percepção.
“Um só foi uma comoção nacional. Nós estamos no número de 31 pessoas que foram mortas dormindo e cadê a população? A população está inerte”, critica a desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento, presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas.
Talvez a expressão mais clara da insegurança vivenciada pelos moradores de rua de Maceió seja a mobilidade dos grupos. Ninguém mais tem ponto fixo para dormir. A cada noite, eles mudam de lugar como forma de se proteger de um possível ataque, sempre com os sentidos em alerta.
“O problema é o medo que a gente tem. A gente anoitece, mas não sabe se amanhece”, diz um morador de rua.
“De fato, têm acontecido muitos crimes com barbaridade. O grande amigo Sérgio também morreu”, conta outro morador de rua.
Sérgio é José Sérgio dos Santos, morto a tiros na semana passada. Foi o 30º morador de rua assassinado. Era casado, tinha 32 anos e tomava conta de automóveis na orla de Maceió. Ele aparece em um vídeo gravado em novembro do ano passado falando sobre as pressões que recebia.
“Está chegando o Natal, uma época de festa no final de ano. Eles querem tirar o morador de rua para deixar aquela parte da capital limpa. Em vários momentos, eles querem tirar à força. Da minha parte eles não conseguem porque eu tenho plena consciência de que não existe uma lei decretada que proíba o ser humano de morar na rua”, declarou.
O grupo de orações do qual Sérgio participava se reuniu no calçadão da praia em um protesto emocionado.
“Sérgio foi um dos primeiros meninos que eu chamei para esse terço”, conta a voluntária Célia Maria dos Santos, que trabalha com moradores de rua há três anos. Para ela, Sérgio sabia que ia morrer.
“Quando se despediu de mim, ele pediu perdão a Deus, pediu perdão a mãe dele, a mim, por todas as vezes que ele tinha feito sofrer e magoado alguém. Ele olhou para mim e disse: ‘Célia, nunca deixe isso aqui, nunca se esqueça da gente”, lembra a voluntária.
As pessoas que conviviam com ele estão aterrorizadas.
“Não sei o porquê, o motivo, a causa, nada”, diz uma moradora de rua.
A mulher dele passa a noite zanzando sem saber de quê ou de quem se proteger. Ela conta que não dorme porque tem que amanhecer viva.
Dos 31 crimes investigados pela polícia e pelo Ministério Público, apenas quatro foram elucidados. Por enquanto, o que há são suspeitas tão vagas e imprecisas quanto a identidade de boa parte das vítimas.
Em covas rasas do setor de indigentes do Cemitério Divina Pastora, apenas números e siglas em estacas sem nome e sem história.
“A polícia precisa fazer mais, mas acima de tudo os organismos relacionados à assistência social e à saúde pública precisam agir para evitar a 32ª morte que, com certeza, tem tudo para acontecer”, ressalta o promotor Alfredo Mendonça.
Fonte: do blog: Revista NordesteCada Minuto
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