Artigo do presidente José Sarney - intitulado “Jogo não muito limpo” - publicado no jornal Brasil Econômico:
Artigo do presidente José Sarney - intitulado “Jogo não muito limpo” - publicado no jornal Brasil Econômico:: "
José Sarney é presidente do Senado
http://www.brasileconomico.com.br/noticias/jogo-nao-muito-limpo_93056.html"
Jogo não muito limpo
Nenhuma legislação foi tão sujeita a mudanças constantes quanto a eleitoral. Na história do Império e da República foram tantas as mudanças que, catalogadas, dão uma enciclopédia. Também há uma constante nessas mudanças: são todas elas casuísticas. É tão instável o processo eleitoral brasileiro que a lei prevê para cada eleição que o Tribunal Superior Eleitoral edite uma resolução regulando desde a propaganda até a contagem final dos votos.
Ainda deve acrescentar-se uma anomalia que não se verifica na sistemática de nenhum outro tribunal: as consultas sobre como os juízes irão julgar determinada questão.
E estas, uma vez respondidas, não têm efeito vinculante, e não raras vezes mudam de interpretação ou têm interpretação contraditória.
Navegar nesse mar de incertezas resulta num processo que é danoso para a democracia: a judicialização da política.
Nessas eleições, a experiência que fica não é a de que a Justiça Eleitoral fiscalizou a eleição, mas a de que ela própria fez a eleição.
Basta ver o imbróglio que provocou a lei da Ficha Limpa para execução imediata, com os prazos correndo, o que fez com que muitos candidatos concorressem com uma espada sobre a cabeça, suas candidaturas pendentes de recursos.
A Justiça Eleitoral passou a ser um terceiro turno, porque os outros dois ainda dependiam de decisões que os tribunais não tiveram tempo de tomar.
A função principal da Justiça Eleitoral é assegurar a verdade eleitoral, e não substituir o processo político. Um candidato me disse que tinha mais advogados do que cabos eleitorais.
Tudo isso, felizmente, foi salvo pelo avanço da urna eletrônica - que, depositária da decisão final, o voto, conquistou total confiança do povo, e nunca mais se discutiu fraude em apuração, como nos velhos tempos em que levávamos semanas para o resultado final - e pela integridade e nível jurídico e moral dos juízes, que dão total tranquilidade aos que demandam.
A eleição atual, com as emoções e paixões que despertam a possibilidade de exercer o poder, decorreu até quase ao fim do primeiro turno no nível de uma democracia avançada. Depois as coisas mudaram, e já no segundo turno parece que desapareceram as menores regras do respeito que deve presidir uma eleição civilizada.
As eleições a cacete do Império voltaram, com palavras e fatos manchando o processo democrático. Pela primeira vez, a religião entrou no debate e Deus passou a ser disputado, chegando um candidato a dizer que é do bem e o outro do mal.
Uns condenados à salvação e outros ao inferno, além da baixaria correndo a solta, atingindo pessoas irresponsavelmente. Evidentemente, num clima desses, a cada ação responde-se com reação, e o resultado não é dos melhores.
Lembro-me que Bush, em sua campanha, invocou o Império do Mal para despertar o sentimento dos fanáticos das seitas religiosas, e o que se viu foi o despertar do demônio do ódio a dividir a sociedade americana. Aqui não se chegou a tanto, mas o que tem sofrido dona Dilma não é para Tiririca dar risada.
José Sarney é presidente do Senado
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