Brasília – Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Ricardo Lewandowski avalia que um adiamento da Lei da Ficha Limpa seria uma “frustração” para a sociedade, mas diz ter “convicção de que a lei vingará” mesmo passando pelo crivo do Supremo Tribunal Federal e barrará os candidatos “fichas-sujas”. Em sua opinião, candidatos com a ficha suja que conseguirem liminares para disputar a eleição estão com as campanhas em risco.
“Faz parte do dia a dia da Justiça Eleitoral [concessão de liminares suspendendo efeitos de uma lei]. A mesma situação pode ocorrer com aqueles que não tenham a ficha limpa, mas farão sua campanha por sua própria conta e risco.”
Em entrevista à Folha, Lewandowski defendeu uma reforma política que acabe com o “pluripartidarismo exacerbado” no Brasil e proíba o financiamento privado de campanhas – que “pode representar um elemento perturbador e de corrupção das eleições”.
Ele chega a sugerir que, a médio prazo, só pessoas físicas sejam autorizadas a doar quando for popularizada as doações pela internet. Defensor da verticalização dos palanques eletrônicos, medida que ameaça tirar Lula e Serra de programas regionais do horário gratuito de TV, Lewandowski sinaliza que o tribunal recuará em agosto. “Pessoalmente, até como cidadão, sou simpático à ideia da verticalização. Mas devo reconhecer que ela não existe mais no Brasil, porque foi alterada por uma emenda constitucional.”
O presidente do TSE reconhece que é “frustrante” e “insatisfatório” para o cidadão e para a Justiça que os processos de cassação de políticos sejam julgados no final de seus mandatos. Árbitro de várias multas aplicadas aos candidatos por propaganda antecipada, ele critica o curto espaço reservado para a campanha formal. Para ele, ela deveria começar em janeiro, “mas é preciso regulamentar, não admitir o uso da máquina administrativa.”
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha:
O TSE determinou que o Ficha Limpa vale para este ano, mas candidatos estão recorrendo ao STF. Dois ministros já concederam liminares, outros dois recusaram. O sr. teme que a Lei do Ficha Limpa não vingue?
Essas liminares concedidas favorecendo determinados políticos estão previstas na própria Lei da Ficha Limpa, que prevê o efeito suspensivo. O TSE afirmou por uma expressiva maioria, de seis a um, que a lei é constitucional, que se aplica a essas eleições gerais e a fatos pretéritos, porque trata de condições de elegibilidade. Portanto, já há um pronunciamento da corte máxima da Justiça Eleitoral. Eventualmente um ou outro aspecto dela pode ser questionado no STF.
O sr. tomou decisões a favor dessa lei negando recursos de candidatos. É uma sinalização da Justiça Eleitoral de que a Lei da Ficha Limpa é para valer?
O juiz faz justiça ao caso concreto. Os sete casos que examinei não apresentavam plausibilidade jurídica que permitisse a concessão do efeito suspensivo.
A eleição está começando, há candidatos que têm incompatibilidade com a lei da Ficha Limpa e já estão recorrendo. Corremos o risco de candidatos serem eleitos mesmo assim. Qual a mensagem que pode ser passada para o eleitor?
É uma situação bastante comum, faz parte do cotidiano da Justiça Eleitoral. Alguém, com uma liminar, concorre, é eleito, depois o caso é julgado definitivamente e tem seu diploma cassado. A mesma situação eventualmente pode ocorrer com aqueles que não tenham a ficha limpa. Podem obter uma liminar, um efeito suspensivo, ter seu registro deferido, mas farão sua campanha por sua própria conta e risco.
O sr. não pode falar por seus colegas do STF, mas sua expectativa é que a lei vingue ou teme que não?
Totalmente. Primeiro, foi uma lei com amplo respaldo popular, nasceu de uma iniciativa legislativa popular, contou com mais de 1,6 milhão de assinaturas. O Congresso, em suas duas casas, aprovou por uma votação absolutamente maciça. Essa matéria foi examinada pelo plenário do TSE. Portanto, passou por vários crivos e penso, inclusive nossa decisão aqui baseou-se em decisões do STF, que deram pela constitucionalidade da lei 64/90, que também tratava de inelegibilidade e também sobre precedentes de que essa lei complementar se aplicava imediatamente. Então, tenho a convicção de que essa lei vingará mesmo passando pelo crivo do Supremo Tribunal Federal.
É possível dizer que políticos com ficha criminal incompatível com a lei, mesmo que consiga uma liminar, a hora deles vai chegar?
Vai chegar, sem dúvida nenhuma. Se alguém tiver agora o registro indeferido pelo Tribunal Regional Eleitoral, que nessas eleições é feito por eles, pode eventualmente obter um efeito suspensivo. Mas como diz o próprio nome simplesmente suspender uma decisão final, quando ela vier, for pronunciada, o candidato corre o risco, se não tiver sucesso na decisão final, de perder seu mandato.
Pelas suas declarações, a favor da lei, entendo que o sr. avalia que será uma frustração para o eleitor caso a lei não vingue?
É possível que haja uma frustração da sociedade, que apoia maciçamente essa lei. Mas acho que a lei já vingou, já está em plena vigência. A única coisa que eventualmente se pode cogitar, no STF, é da sua aplicação imediata em função do princípio da anualidade previsto no artigo 16 da Constituição, que estabelece que todas as regras que modifiquem o processo eleitoral só entrem em vigor nas eleições subsequentes, depois de um ano. Entendemos que, em face dos precedentes do próprio STF, não havia esse risco. Como disse, quando analisou a lei complementar 64/90, o Supremo entendeu que ela se aplicava imediatamente.
Outra questão que pode ser discutida é da presunção de inocência. Mas quando o Supremo se debruçou sobre essa matéria não havia nenhuma lei disciplinando o possível indeferimento dos candidatos que tenham a ficha suja. Mas agora a situação mudou, porque o próprio artigo 14, parágrafo 9º da Constituição, estabelece que uma lei complementar poderá estabelecer algumas hipóteses de inelegibilidades além das previstas na Constituição.
E, de outra parte, existem dois valores a serem considerados. Existe um valor fundamental, que está inscrito no rol das garantias individuais, o da presunção de inocência. Mas existe outro valor fundamental, da moral administrativa, que também está na Constituição, no rol dos direitos políticos, no mesmo artigo. Então, quando o Supremo for se debruçar, se é que vai se debruçar sobre essa questão, terá de ponderar esses dois valores. O da moralidade administrativa de um lado, aplicado às eleições, que é um direito fundamental, e de outro a presunção da inocência, que se aplica fundamentalmente ao processo penal.
A lei do Ficha Limpa é uma novidade no pleito atual. Nessa linha, qual outra iniciativa deveria ser tomada para as próximas eleições como avanço institucional na busca da moralidade que o sr. levantou?
Em primeiro lugar, eu acredito que as mudanças sociais não são feitas a partir de mudanças legislativas. Temos muito uma visão bacharalesca da sociedade, no sentido de que podemos mudar a sociedade a partir de penadas legislativas. A mudança tem de ser cultural, a sociedade tem de escolher os melhores candidatos, mais comprometidos com o bem comum, com o interesse público. De outra parte, devo reconhecer que nós precisamos de uma reforma política mais ampla. Não digo a reforma do processo eleitoral, essa é necessária, precisa ser feita, precisamos diminuir o número de recursos, porque hoje os processos eleitorais se eternizam. Muitas vezes um político é cassado e, em função dessa multiplicidade do número de recursos, só sai quase ao término do seu mandato. Isso é amplamente insatisfatório e frustrante tanto para a cidadania quanto para a Justiça.
Leia aqui a íntegra da entrevista ou clicando lá em cima em Folha de S. Paulo.
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