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No Maranhão e Tocantins, o respeito aos direitos humanos submergiu

No Maranhão e Tocantins, o respeito aos direitos humanos submergiu: " do blog do sakamoto

O texto é grande, mas vale a pena. A construção da Hidrelétrica de Estreito está desalojando centenas de pessoas entre o Maranhão e o Tocantins, expulsas de suas terras sem receberem a devida indenização e sem um programa decente de realocação. O drama não é de hoje, mas tem se agravado nos últimos tempos. Enquanto isso, nas grandes cidades, falamos em eletricidade apenas quando ela some. Começamos a nos perguntar de onde vem o bife em cima de nossa mesa, mas são pouquíssimos os que se preocupam com os impactos da geração de energia na vida dos outros. Será que esse passivo humano aparecerá nos relatórios de responsabilidade social das empresas envolvidas na construção da barragem?


Pedi aos repórteres Carolina Motoki e Pedro Ribeiro, que moram na região, um texto exclusivo para este blog sobre a situação das famílias que levaram um pé na bunda do progresso. Aproximando números de biografias talvez tenhamos idéia do que tudo isso significa. As fotos são de ambos:



Em julho de 2009, famílias atingidas pela construção da Usina Hidrelétrica de Estreito (MA) montaram acampamento nas portas do canteiro de obras da usina. Só sairiam de lá quando as reivindicações de seus direitos fossem atendidas. Já era o terceiro acampamento que subiam. E lá permanecem até hoje, sem nenhuma perspectiva de solução de seus problemas com relação às indenizações, reassentamentos (de pequenos proprietários, assentados e posseiros) e o reconhecimento de diversas categorias como atingidas (entre elas barqueiros, barraqueiros, pescadores, extrativistas e vazanteiros, que vivem do rio, mas que não possuem propriedade em suas margens a serem inundadas). Permanecem no acampamento vendo e ouvindo histórias de famílias expulsas por meio de despejos judiciais violentos, e sendo pressionadas a aceitarem cartas de crédito que não irão assegurar a aquisição de áreas semelhantes às que vivem hoje. A construção da usina, obra do PAC realizada pelo Ceste (consórcio de empresas responsável pelas obras, entre elas Vale, Alcoa e Camargo Correia), vai atingir 12 municípios: dois no Maranhão (Estreito e Carolina), e dez no Tocantins (Aguiarnópolis, Babaçulândia, Barra do Ouro, Darcinópolis, Goiatins, Filadélfia, Itapiratins, Palmeirante, Palmeiras do Tocantins e Tupiratins). Depoimentos colhidos pela Comissão Pastoral da Terra falam por si. Os nomes foram trocados para evitar mais perseguições. E as declarações estão publicadas do jeito que foram ditas, sem as amarras da língua:


Francisco, expulso com mais quatro famílias da chácara Cajá, comunidade Cascavel, no município de Darcinópolis (TO), que ocupava desde 1974 por um Oficial de Justiça de Wanderlância acompanhado de policiais civis e militares, cumprindo mandado liminar de imissão de posse a favor do Ceste.

“Nós nunca negou em desocupar a área pra eles e não sei por qual motivo eles tirou nós aqui, derrubou nossas casas que nós morava aqui e não pagou nós e não deu nenhuma satisfação. Eu procurei além de tudo pra onde era que eles iam colocar nós e eles falaram que ia levar nós pra rua. Eu digo pra onde? Ele falou que se nós não tivesse onde ficar que ele ia levar nós pra rua. Eu procurei se nós ‘tava roubando, se nós não era bandido pra levar pra delegacia. Ele falou que se nós não tivesse pra onde ficar, ele ia levar nossos trens pra delegacia e nós virava, por conta própria. Aí colocaram nós na casa da minha irmã lá de favor, com as coisas tudo jogado no quintal, abandonado lá, pegando chuva e sol e nós fica de favor na casa de cada um… Tudo que a gente tinha aqui era a casa da gente, o sossego da gente… eu nasci e me criei aqui, tá com 26 anos… meu pai comprou essa terra aqui em 74, eu nasci em 83… eu nasci e me criei aqui, pra hoje, a gente ver uma cena dessas aqui, não é fácil! Não é fácil de jeito nenhum! E sem saber nenhuma explicação, sem saber como nem por que, sem nenhum tipo de proposta.


Depoimento de Kátia, remanejada de Carolina (MA) com família pelo Consórcio em dezembro de 2008, com carta de crédito para a fazenda Gado do Meio, em Filadélfia (TO)

“Eu vim da Barra do Camaleão. E a barragem me trouxe e aqui nós tamos passando por uma dificuldade, sem água, sem nada pra nós viver, assim, porque é ruim demais a gente viver sem água, com oito filhos que nós tem dentro de casa, quando é de tardezinha é a pior luta pra gente banhar as crianças. E as cestas que eles deram pra nós tá findando, em janeiro acaba e não tem lugar de botar roça. Terra véia, só uma vargem véia! Alaga tudo, nós não tem uma água pra beber, bebe água lá das casas dos outros suvinada que nós carrega de carroça. É a pior luta aqui! Lá [onde morava antes] era bom pra nós…porque nós trabalhava de vazante… nós tinha o milho, nós tinha o feijão, nós tinha o arroz…nós tinha a água que passava bem pertinho da casa… e era bom demais pra nós… Eles disse que ia trazer energia pra nós e nunca trouxeram, até hoje não tem energia. (…) Eles falaram que ia fazer o poço artesiano pra nós e já tá inteirando o ano e eles não cavaram o poço… nós que cavemos, cada um cavemo um poço, um pocinho véio, manual mesmo e não deu na água de jeito nenhum!


Depoimento de Armando, agricultor vazanteiro e pescador de Estreito (MA), que teve suas roças destruídas

“Ali tinha uma macaxeira nova também pra ali, eles passaram por cima, eles rodaram o trator por cima… vocês vê que ainda tem os pé grande… que nós arrancamos… ainda ficou muito pé grande aí pra comer… Mas eles arrancaram tudo e indenização de nada pra nós. Então é assim, uma situação que a gente fica sem saber o que é que faz… tem tanto tempo que a gente trabalha, e ainda não tem os direito de nada, não é?

E aí, tem uns companheiros ali, logo ali próximo na frente, que vieram com a liminar, ameaçando… já vieram o carro lá… fazer o despejo… sem nada, com indenização com ninguém! É uma coisa que a gente fica sem saber como é que faz. Só que eu já falei pros companheiros, se vier a liminar não assina, e se vier carro pra despejar não entra no carro… ver se eles vão derrubar a casa com eles dentro, porque aí a gente tem que tomar uma providência, né?”


Depoimento de João, de Darcinópolis (TO)

“Eles tão em cima, já tão cobrando que a gente… pra desocupar a área, que eles quer limpar… quer arrancar a casa, né? Esses que são as ameaças deles… Não tendo aquela prudência, aquela cautela de deixar o pessoal tirar as coisas com calma… colocar a criação, fazer casa … Não, eles querem ser o dono do mundo. Inté que eu acho que nós não tem governo nesse país. Nós não tem governo nesse país, não tem autoridade… Nós tamos cada qual por si e Deus por todos… E ninguém não tem como apelar, porque a empresa Ceste, me parece que ela tomou de conta do Brasil… faz todo mundo calar a boca… Quando não chega pra eles pegar a polícia… inventa mentira… aí pega a polícia, leva nas casas da pessoas, como eles trouxeram a polícia aqui pra me intimidar. Aí que eu falo pra vocês que eles estão intimidando as pessoas e em nosso país não tem justiça. Eu acho que a Ceste, acho não, eu digo sem medo que a Ceste, ela tem mais poder de que o governo Lula, de qualquer um governo brasileiro… porque disso que ela tá fazendo…



Depoimento de Ana, Babaçulândia, que teve o relógio de luz arrancado mesmo com a energia paga, assim como outros vizinhos, como forma de pressão para deixarem o local

“Nós tamos aqui, nós não tamos pedindo pra sair daqui, não! É eles que tão chegando e botando nós pra correr e vão ganhar bilhões as nossas custas! Nós não tamos ganhando nada com isso, a não ser o desassossego com nosso lugar, que nós nascemos e se criamos e tamos criando nossos filhos aqui nesse lugar e eles chegam botando a gente pra correr. Não! Eles não têm esse direito de fazer isso com a gente, não! Eles não têm esse direito! (…)Porque isso aqui não é cachorro que mora não! Quem mora nesses pedaços de chão que tão assim é gente, não é cachorro, não! E é batizado e registrado, que tem direito! Tem direito, na Constituição nós temos nossos direitos! Eu quero sabe só onde é que tá os direitos humanos que diz que tem nesse país, onde é que tá?!



Depoimento de José, ribeirinho barqueiro de Estreito


“Antes a gente ia na cidade de Estreito, nos barcos, levando passageiros, levando os cereais da gente, fazendo linha pra lá pra cidade, no porto, descarregava lá… E hoje a situação é triste, porque tem que descarregar aqui, tem que viajar 11 quilômetros … aqui, com os trem caindo do carro, que eles coloca aí… E antes nós descarregava no porto da cidade… Tem mais de 25 anos que eu trabalho nessa linha e hoje não posso mais encostar na cidade por causa dessa barragem aqui. E até hoje eles não têm solução nenhuma pra nós barqueiros e nem pescador. E nós trazia nossos cereais, as nossas frutas e hoje a gente não tem como vender, porque não tem como a gente chegar no porto da cidade. Fizeram esse porto péssimo aqui, já adoeceu gente, já caiu gente, já acidentou gente aí na passagem da beira do rio…já também já naufragou… e vem só mesmo dando prejuízo pra nós!”



Depoimento de Marcos, pescador e agricultor de Darcinópolis


“Tem um papel, que foi feito uma vistoria, em baixo, no canto do papel ta dizendo assim: “de hoje em diante não plante mais nada, não faça mais nada na sua propriedade, porque a empresa não paga… e daqui a 28 dias nós damos encaminhamento aos pagamentos de todos…”, não é? E isso foi o que não aconteceu. E tem dois anos, tamos muitas e muitas famílias paradas. Aproximadamente, só o município onde eu moro tem mais de 2.500 famílias, todos só dentro desse espaço, com essa mesma rotina. E em todo o entorno do lago, o sofrimento é bem maior do que o nosso…porque nós encontra as pessoas nas periferia, que não tem local, que as casas já tão quebradas… tá as galinhas soltas no local…aí porque as casas, a empresa enterrou e não pagou ninguém.”


Depoimento de Jair, oleiro de Carolina (MA)

“Bom, aqui eu trabalho há mais de 40 anos, aqui é um local que vem de antepassado. Meus pais, meus avós, eles trabalharam… nasci aqui! Eles trabalharam aqui… aqui eu posso dizer que é uma herança de trabalho. To trabalhando aqui há mais de 40 anos… Hoje a situação tá precária, fomos expulsados daqui, não fomos indenizados, e tamos sendo expulsados daqui. A maioria, a maioria não, todos, já foi expulso. Só tá tendo aqui duas residências em pé, a minha e a de um senhor que mora ali na frente, um vizinho. A construtora da barragem chegou aqui e deu uma mixaria pra alguns e outros nada… e mandou todo mundo embora. O valor de R$2.500, R$3.000… Todas as casas eles destruíram, chegaram meteram o trator e derrubaram todas… e os fornos todos derrubados também! O único fornos que ainda estão em atividade são os meus. Por quê? Porque eu ainda estou em atividade e eles ainda não me pagaram e por isso, eles chegaram aqui pra derrubar e eu não deixei derrubar.”

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